Yoga para a Vida Prática

Introdução

Yoga é caminho e meio para uma vida mais íntegra no mais puro sentido que a integridade pode ter para cada um. Afinal, cada um vê o mundo através do um olhar diferente – o seu olhar. Sendo assim, haverá de existir muitos sentidos de pureza.

Por esse motivo, não se esgotam os meios e os caminhos. Mas, há trajetos que podem ser explorados de acordo com o que cada um dos viajantes consiga expressar de si mesmo enquanto caminhar.

O Caminho da Flor de Lótus é um trajeto que pode vir a conduzir alguém à sua própria plenitude, mas jamais à plenitude de outro alguém.

Descrevi este Yoga que se compõe de um meio que eu mesma estabeleci a partir do contato que tive com muitos outros meios (ou caminhos). Sendo ele mesmo um trajeto que outros além de mim mesma podem usar, é possível indicá-lo para quem tiver interesse em conhecê-lo. Mas, só conseguirá explorá-lo como caminho de fato quem através dele conseguir desenvolver seu próprio jeito de trilhá-lo.

Poderia ensiná-lo a partir de diferentes ângulos, mas quero aqui dedicar-me a certas aproximações que podem ser feitas com os membros descritos pelos Yoga Sutras de Patanjali. Quando os exploro, usando do meu próprio olhar, o qual é feito de muitas influências, descrevo um pouco sobre todas elas.

 

Os Oito Membros do Yoga

Patanjali é uma encarnação divina reconhecida por quem pratica Yoga de verdade. Ele compilou os Yogas Sutras, os quais direcionam a consciência a viver na paz de certo estado de espírito. Este estado se alcança através da prática aprofundada dos oito membros do Yoga.

Os membros são: yama (respeito aos outros), niyama (respeito a si mesmo), asana (posturas para o exercício da harmonia com o corpo), pranayama (fluxo natural e bem direcionado da energia vital), pratyahara (controle das emoções), dharana (controle dos pensamentos), dhyana (estado de contemplação), samadhi (liberdade eterna).

Portanto, Yoga de verdade não se resume às posturas (asana), tendo sido deformada por grande movimentação comercial em torno deste que é apenas um dos oito membros descritos por Patanjali. Vou procurar abordá-los de uma maneira simples e resumida, tecendo um raciocínio que nos leve a um Yoga para a vida prática.

 

  1. Yama

Alguns traduzem esta palavra como disciplina externa, em contraposição a niyama que é disciplina interna. Dentro disso, os Yoga Sutras de Patanjali mencionam as seguintes cinco disciplinas externas: ahimsa (não-violência), satya (verdade), asteya (não-roubo), aparigraha (não-cobiça) e brahmacharya (continência, moderação e castidade).

Ao observar o significado prático para a vida diária de cada uma delas, percebe-se nitidamente que todas se referem ao respeito que se deve ter pela vida alheia. Não-violência (ahimsa) para com os animais e as plantas e não apenas para com o ser humano. O que nos leva a praticar espontaneamente o vegetarianismo puro.

Satya (verdade) significa ser transparente, pois a mentira fere à alma de quem mente, além de criar tudo de pior para a sociedade.

Não roubar (asteya) e não cobiçar (aparigraha) são frutos da calmaria da mente (dharana) e o controle das emoções (pratyahara). Quando vivemos para a nossa própria essência, existe uma pureza de intenção inata que se expressa como vida desinteressada. Lutamos de maneira desapegada pelo cumprimento dos nossos deveres, mas sem que seja preciso mentir, roubar, desejar o que não nos pertence.

Dentro disso, a brahmacharya é também espontânea, pois nasce do não desejo por outras pessoas, situações, posições, propriedades. Enfim, continência, moderação e castidade são parte do jeito de ser de quem está apenas fluindo com a experiência da vida, conforme ela precisa fluir por meio de cada um.

          

  1. Niyama

As cinco disciplinas internas são: shauca (limpeza), santosha (alegria), tapas (autodisciplina, austeridade), svadhyaya (estudo do sagrado, do eterno) e ishvara-pranidhana (rendição a Deus e a ninguém mais).

São disciplinas internas que correspondem a respeito que cada um deve ter por si mesmo. A limpeza (shauca) é básica e promove saúde, vitalidade e leveza. Quando temos leveza e pureza, somos alegres (santosha).

Se não há alegria nas nossas vidas, estamos dando atenção demasiada ao que nos tira do nosso eixo central ou essência. Se damos atenção suficiente à nossa essência, praticando também as disciplinas externas, não haverá motivos para entristecimento.

Tapas (autodisciplina, austeridade) nos torna mais regrados e concentrados no que é preciso ser feito. Deixamos de lado muitas coisas que as outras pessoas fazem questão de ter e de experimentar na vida, focamos em disciplina e transpomos muitas barreiras ao aprofundamento em Yoga.

Então, podemos realmente estudar o sagrado, o eterno (svadhyaya); e entendê-lo com mais clareza, sem nos perdermos em devaneios ou mistificações. Estudando com aprofundamento e, ao mesmo tempo praticando as cinco disciplinas externas e as internas, conquistamos ishvara-pranidhana.

Tenho visto traduções de ishvara-pranidhana como orientação à pureza da consciência. Mas, no Caminho da Flor de Lótus, reconheço tal pureza na relação eterna que vivencio no mais puro estado do Yoga junto de Krishna (ou Shiva) – Ishvara, a Pessoa Suprema, original Fonte de tal pureza.

 

  1. Asana

As posturas devem proporcionar estabilidade e boa disposição. E elas de fato proporcionam, causando bem-estar e aumentando a saúde. Quando relaxamos para além do esforço, em estado de contemplação da unidade que há entre o corpo e o universo infinito, atingimos um estado mental que nos liberta.

Asanas, portanto, não devem ser confundidas com meros exercícios físicos, embora elas tenham funções que se assemelham em alguns pontos a eles.

Costumo considerar o corpo como o templo do espírito. A partir dele podemos nos conectar com Deus, segundo o percebemos. As posturas nos ajudam a desenvolver disciplina, se as praticamos com frequência e persistência.

Elas nos ajudam também a praticar concentração, além de exercitarmos elasticidade e desenvolvermos vigor corporal através da prática das que sentimos ser as que mais precisamos, as que nos fazem bem. A força corporal se dá ao mesmo tempo em que relaxamos mentalmente, fortalecendo nossas capacidades meditativa e contemplativa.

 

  1. Pranayama

O controle respiratório de exalação e inalação pode ser conquistado por meio do Yoga. Não apenas as asanas nos ajudam a adquirir tal controle, mas todos os demais membros do Yoga descritos por Patanjali.

Os sutras mencionam um estado da meditação no qual o controle respiratório é tão aguçado que inalação e exalação não são mais distinguidas. Então, o potencial da mente para concentração é realizado.

Adquire-se o controle da mente e das emoções, o que precisa, no entanto, estar no dia a dia e não apenas nos momentos dedicados às posturas e/ou à meditação. Propõe-se o controle do que entra e do que sai contínuo, o ato meditativo. Tal controle nos torna longevos, joviais, saudáveis e otimistas.

 

  1. Pratyahara

É transcendência das percepções meramente externas do que os sentidos corporais físicos captam. Uma retração para com o mundo externo, mesmo estando ainda nele, quando se dá atenção enfática ao mundo interior.

Quando fazemos isso, percebemos o que vemos através dos olhos segundo outros significados, independentes do que somos condicionados a acreditar ao longo da trajetória da vida em sociedade. Os aromas também ganham novas perspectivas, assim como também os sons, as sensações do tato e da gustação.

Desta forma, passamos a buscar por outros objetos de contemplação e aromas que nos pacificam. Ao invés de buscar por filmes de violência, por exemplo, preferimos ver filmes que enaltecem as qualidades da alma. As fragrâncias que têm propriedades aromaterápicas são preferidas; e incensos e essências se tornam bastante atrativas.

As músicas que nos atraem contêm mantras, sons harmônicos instrumentais e/ou letras que refletem aspectos do nosso estado de espírito.

Gradualmente os sentidos de tato mostram-nos a necessidade de tocarmo-nos uns aos outros com uma atenção diferente, não apenas voltada a satisfações individualistas. A sutileza dos toques, a compreensão de pontos específicos do corpo e o respeito pelas sensações impostas aos outros se tornam mais nítidas. Tornamo-nos mais sensíveis, enfim.

De forma semelhante, nossas papilas gustativas necessitam de sabores associados à liberdade que desejamos para o planeta e os seres viventes. Deixamos de lado desejos por alimentos que têm origens na violência e passamos a apreciar com alegria e paz os sabores da imensa variedade de preparações vegetarianas que existem ou que fazemos existir a partir da nossa criatividade culinária.

Os Yoga Sutras declaram que “tatah parama vasyatendriyanam”, ou seja, nossos sentidos obedecem à mais pura natureza interior.

  1. Dharana

Trata-se da concentração em um objeto que nada mais é do que a nossa essência mais pura. Isso só pode ser alcançado por controle das distrações e, portanto, das turbulências da mente.

Quando sentamos para meditar, relaxamos em torno de tal foco que é o eixo central da vida. Então, é preciso eliminar qualquer pensamento, o que só se consegue após certo tempo de experiência meditando. A exclusão das ondas mentais que vêm e que vão, pacifica-nos no oceano límpido e calmo da existência transcendental.

Mas, o mais desafiante é conquistar a habilidade do ato meditativo, quando permanecemos em alerta ao longo de todos os eventos do cotidiano. Escrevi um artigo sobre isso, o qual foi intitulado de Motivação através da Ecologia Pessoal e da Meditação. Ele é uma clara alusão à prática da Ecologia Profunda, uma linha científica de estudos e pesquisas ecológicas, na vida prática.

É preciso fluir com a experiência da vida, mantendo-nos atentos para com cada detalhe do que vivemos. Deve-se estar atento inclusive ao sol, à lua, às estrelas, plantas e animais. É preciso estabelecer relações interpessoais mais transparentes e, acima de tudo, encontrar-se com Deus a cada instante – esta Suprema Pessoa.

 

  1. Dhyana

Então, vem-nos a capacidade de mantermos o foco em um objeto através da concentração. Só que, no caso da prática diária do Yoga, tal objeto é um só, o eu interior, que é eterno e para sempre consciente de si.

Isso significa poder se ocupar em contemplação da beleza em tudo o que há, pois tal beleza existe dentro de nós. E bem no fundo da alma, somos silenciosos e puros, sempre contemplativos da essência das coisas.

A palavra dhyana em si é comumente traduzida como concentração, a qual, no entanto, no âmbito do Yoga nos leva ao ato contemplativo. Contemplar por meditar, contemplar por conseguir controlar a emissão de pensamentos.

Se pensamos demais em torno de incômodos do dia a dia, nas notícias do país que chegam até nós, enfim, em situações que nos mantêm atrelados apenas ao que é externo a tal estado de paz interior, não atingimos a concentração necessária para a vivência profunda do Yoga.

 

  1. Samadhi

Liberdade eterna é o que se conquista por meio da prática de todos os oito membros do Yoga. Ela é descrita nos Yoga Sutras assim: “tad evartha-matra-nirbhasam svarupa-sunyam iva samadhih”, ou seja, “quando há apenas o brilho da essência, no esvaziamento da forma, a integração”.

A integração do ser pessoal no impessoal que é também pessoa, mas divina, eterna e transcendental, sem as amarras para com circunstâncias, necessidades e tudo o mais que seja apenas forma.

Trata-se de um estado de liberdade que nos permite vivenciar a unidade de tudo e, ao mesmo tempo, a não unidade da diversidade, o eu externo e o eu interno em uma única experiência de vida. Tal experiência é material, mas também espiritual, não sendo possível delimitar o que pertence a uma delas ou a outra.

Na linguagem tântrica, contempla-se a unidade masculino/feminina e os eventos existem em um tempo horizontal linear na não linearidade vertical espiritual. Escrevi sobre isso em meus diálogos com Shiva, na obra Shiva Tantra para a Libertação Espiritual.

Na linguagem religiosa, trata-se da unidade das fagulhas com Sua Fonte, sem que a identidade espiritual se perca na interação perfeita com a Pessoa de Deus (Bhagavan). Sobre isso escrevi em Religião Bhagavata da Nova Era.

Enfim, quero dizer que a vida nada mais é do que a expressão de uma infindável busca por tal perfeita união. O ser humano que se torna consciente disso a partir de sua própria experiência, vivenciando a mesma união na sua essência (no eu interior/exterior), vive em Yoga para sempre.

 

Vídeo 1: os Quatro Membros Inferiores

https://youtu.be/ZYh9GSB9FZM

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