Amor ao próximo: os animais da natureza

Introdução

Por que esse tema é importante? O amor aos animais da natureza é uma expressão direta do que sentimos pela vida e por Deus. Quando me refiro a animais da natureza que fique claro que não estou falando de espécies domésticas, mas, sim das que vivem nas florestas, rios, mares, áreas alagadas, desertos e outros ambientes naturais (ou modificados por nossa ação). Somos todos partes de uma mesma engrenagem, a qual está fazendo haver vida no planeta. E quem mais além dEle, da Pessoa Suprema (Krishna, Shiva), seria responsável pela manutenção de tal engrenagem? Em geral, ela tem sido chamada de Natureza (Shakti). Os animais são todos filhos dEla, assim como o ser humano também é.

Nós que compreendemos que Shakti é a Mãe e Deus é o Pai, temos a compreensão de que não se deve desrespeitar nenhum dos filhos/as do Casal Divino, de Radha Krishna, Sita Rama, Shiva Parvati. Muito menos destruí-los e/ou ao seu meio, o que se torna muito mais fácil de evitar quando os conhecemos e os amamos verdadeiramente. Desta forma, nesse texto procuro apresentar os animais da natureza e sua importância para a vida humana. Em seguida, escrevo sobre a importância deles por si mesma; e finalizo expondo a presença deles na lila transcendental de Deus (Krishna, Shiva). Então, concluo a escrita com um raciocínio integrador, que desejo que sirva de inspiração para que tal amor pelos animais da natureza esteja para sempre presente nos nossos corações.

 

A importância dos animais da natureza para a vida humana

Na Natureza tudo está interrelacionado. Mesmo que você não saiba a função de algum animal em particular, entenda que essa função existe. É melhor reconhecer que sua inteligência a desconhece do que maldizer o animal. Isso porque a Natureza (Shakti) é a expressão perfeita do pensamento de Deus (Krishna Shiva). O ser humano desenvolveu, através da busca acadêmica, estimulada pela Pessoa Suprema, a ciência ecológica[1]. Por meio dela, a Natureza foi sendo detalhada, mas, ela é compreendida desde sempre.

Populações de outras épocas e comunidades que vivem (ou viveram) mais próximas dos ambientes naturais a compreenderam (ou compreendem) de um jeito mais aprofundado do que as pessoas que têm vida urbana. No entanto, acadêmicos das ciências ambientais vêm tentando entendê-la melhor também. Os dois tipos de conhecimento são válidos e se complementam com perfeição.

O fato é que ao observar os animais da natureza com atenção, seja por meio da vivência, seja pela pesquisa acadêmica, percebe-se o quão importante todos eles são para a manutenção da vida humana. Isso acontece porque cada espécie animal tem uma função na teia da vida. É como dizem de maneira simples: “um come o outro”. Mas, eu diria também que um depende do outro (veja esse vídeo sobre a Amazônia, por exemplo). Há plantas que só são propagadas através de dispersores animais adaptados para, de alguma maneira, transferir pólen de uma flor a outra e/ou transportar sementes de um lugar a outro.

Há animais que só sobrevivem se houver outros animais que se alimentam dos seus predadores. Outros apenas podem existir por perto de espécies animais diferentes das suas, mas, que, de alguma maneira, mudam o ambiente para que eles possam estar ali. É o caso, por exemplo, de uma espécie de pássaro que coloca seus ovos no ninho de outra espécie. Enfim, quem observa com atenção, entende todos os elos que uns representam para os outros. Tal compreensão causa respeito e, portanto, solidariedade e amor por todas as espécies.

Inclusive porque todos esses elos mantém o ambiente da Terra habitável até mesmo para nós, humanos. Sem eles, as florestas perecem, já que algumas plantas já não serão mais dispersadas. Outras serão parasitadas por insetos ou outras pragas, que têm suas populações reguladas por animais. Sem as florestas, por sua vez, não há oxigênio para a sociedade humana, nem terrenos férteis para plantar. Além do que, pensemos nas águas dos rios e dos mares sem os animais. O que seriam delas? Morreriam, causando empobrecimento do planeta.

 

A importância dos animais da natureza por si só

Além da importância ecológica de cada uma das espécies de animais, cada indivíduo da fauna, que povoa a natureza tem uma importância intrínseca a ele mesmo. Todos os seres viventes têm direito à vida, independentemente de sua forma e/ou da espécie a que pertencem. Ninguém deve acreditar que uma espécie tem mais valor do que a outra. Embora isso possa ser difundido pela sociedade humana, através de religiões e da ciência, trata-se de uma questão básica de ética da vida. De forma análoga, nenhum indivíduo de determinada espécie tem mais direitos do que outro indivíduo, apesar de que na sociedade em que vivemos a desigualdade social seja algo tão comum. Há tantas lutas por direitos iguais entre homens e mulheres, assim como também pelos direitos dos animais.

No que se refere a essa última questão, sugere-se criticamente que um denominado “antropocentrismo”, uma corrente de pensamento que coloca o ser humano no centro do universo, com direito a subjugar a natureza para alcançar os fins que almeja, tenha desencadeado a atual crise ambiental[2]. O termo “antropocêntrico” designaria então o que é relativo ao “antropocentrismo”. Mas, adotar uma postura “antropocentrista” pode designar a aceitação da postura por alguém com determinada intenção[3]. Como por exemplo, defender a teoria da evolução das espécies, considerando o ser humano como ápice de um processo de avanço da consciência.

Não se deve confundir a postura do “antropocentrista” com a postura daquele que defende o especismo, no entanto. Especismo pode ser compreendido como “discriminação realizada pelo humano em desfavor das outras espécies” ou “preconceito em favor dos interesses dos membros da própria espécie, contra os membros de outras espécies”[4]. Mas, existem outras maneiras de compreender o significado de tal postura. Importa entender que um antropocentrista pode não ser especista, mas, um especista será sempre um antropocentrista. No exemplo dado, alguém que veja a espécie humana como ápice da evolução, um antropocentrista, portanto, pode ser até mesmo vegano, respeitoso da vida das demais espécies (não especista). Mas, alguém que seja discriminatório para com o interesse dos não humanos tem na espécie humana o centro da vida, sendo antropocentrista e especista, ao mesmo tempo.

Tendo colocado todas essas questões, volto a reforçar a importância de uma visão que respeite a vida de todos os seres viventes, mesmo que, por questões religiosas, se compreenda que a consciência humana faça parte de um tipo de relação com Deus muito peculiar. Antes de concluir sobre isso, passo a expor a presença de animais não humanos na lila da Pessoa de Deus (Krishna Shiva), o que significa dizer que existem almas de formas não humanas vivendo a mais perfeita das experiências, no mundo transcendental e divino.

 

Animais da natureza na lila de Deus

Lila é passatempo da Pessoa de Deus, o que transcorre na eternidade da experiência divina e perfeita. As escrituras sagradas estão repletas de descrições de diferentes passatempos, os quais equivocadamente têm sido denominados mitologias. Em uma postagem anterior explico que “as Divindades do Hinduísmo não são mitológicas, pelo menos não segundo a percepção ocidental do que significaria mito dentro da experiência religiosa. Pois, mito para o ocidental se refere ao que não tem existência, pertencendo apenas ao universo subjetivo de determinada tradição. Há diferença, portanto, entre a realidade divina e o mundo dos mitos conforme tal percepção” (para ler mais, clique aqui).

As divindades do Hinduísmo vivem em uma esfera da existência fluida, transcendental e não palpável desde o ponto de vista material. Mas, ela é verdadeira e profunda, sendo alcançada através da autorrealização religiosa. Negar sua existência ou considerá-la mitológica é fruto da percepção materialista humana. Acreditar que ela não existe é atitude irreligiosa, que causa desistência da fé, não aprofundamento filosófico existencial e ignorância sobre a verdadeira meta da vida. Acreditar na existência divina é pura salvação e abertura da mente para a liberdade suprema, definitiva e iluminada.

Quando vivenciamos a lila de Deus, acordados para sua realidade, conhecemos o êxtase da beleza inatingível para os materialistas e incrédulos. Extraio de tal vivência uma passagem descrita pelo Ramayana (2.95), na qual se percebem as plantas e os animais, compondo o cenário do amor de Shri Rama e Sita[5]:

Tendo apontado a beleza das colinas para Sita, Raghava então lhe mostrou o rio agradável Mandakini brotando da montanha. O senhor de olhos de lótus se dirigiu à filha do rei Janaka, cujo rosto parecia a lua, dizendo: “Ó princesa, contempla o rio Mandakini com suas margens aprazíveis frequentadas por cisnes, grous e outras aves aquáticas, cheias de árvores floridas de diferentes tipos, que o fazem parecer o rio Sangandhika na região de Kuvera. Seus vaus agradáveis, onde eu desejo me banhar, as águas dos quais foram tornadas turvas pelos grupos de veados que vieram beber e partiram recentemente, todos esses atraem o coração.

Ó querida, os ascetas vestidos com mantos de pele e camurça se banham em determinadas épocas nesse rio. Ó princesa de belos olhos, aqui os munis cumprindo votos rigorosos e austeros ficam com os braços erguidos, adorando o sol. As árvores agitadas pela brisa fazem com que as colinas pareçam estar dançando. As flores espalhadas pela força do vento fazem parecer como se Chittrakuta estivesse oferecendo flores ao rio. Ó auspiciosa, aqui as águas do Mandakini brilham como gemas e lá elas formam uma praia de areia. Grupos de seres perfeitos frequentam a margem.

Ó princesa, observa as pilhas de flores derrubadas dos galhos pelo vento, e outras flutuando no ar e caindo no rio para serem levadas embora pela água. Ó Kalyani, observa os gansos selvagens permanecendo nos lugares rasos, proferindo gritos doces para convocar seus companheiros ou divertindo-se com eles. Ó adorável Sita, quando eu contemplo a montanha Chittrakuta e o rio Mandakini em tua companhia, eu considero essa uma alegria maior do que qualquer uma que Ayodhya poderia me dar. Vem, ó Sita, e vamos nos banhar no rio Mandakini, frequentado por seres perfeitos que são dotados de controle interno e externo e são dedicados à prática de austeridade.

Ó princesa, tu antigamente te divertias com as tuas damas de honra em Ayodhya, hoje te diverte comigo no rio Mandakini, me atirando lótus brancos e espargindo as águas sobre mim. Ó querida, imagina que aqueles que moram aqui são os cidadãos de Ayodhya e que o Mandakini é o rio Sarayu. Ó Sita, eu estou feliz contigo, que és obediente ao meu comando, como é também o príncipe Lakshmana. Ó amada, banhando-me três vezes por dia contigo no rio e vivendo de mel, frutas e bagas, eu não sinto desejo pelos confortos do reino de Ayodhya. Quem não será feliz, residindo nas margens do rio Mandakini, onde manadas de elefantes passeiam e leões e macacos vêm saciar sua sede, e onde as flores crescem durante todo o ano?”

Assim Shri Rama conversou sobre muitas coisas maravilhosas relativas ao rio Mandakini com Sita e, tomando a mão da princesa, passeou com ela sobre a azul e bela montanha Chittrakuta.

Um Raciocínio Integrado

O artigo tinha por finalidade pensar a importância do amor pelos animais da natureza, como algo que nos pertence, dentro da engrenagem da vida. Isso é necessário para que eles continuem existindo, já que o desrespeito humano tem chegado a oferecer perigo à manutenção da vida de muitos deles. Espécies já se extinguiram por causa da nossa ação sobre o planeta e outras estão em vias de desaparecerem. Além do que, agressões são muito comuns, inclusive as que levam animais à perderam suas vidas. Porém, como se pode apresentar, ao longo do texto, os animais da natureza tem valor por eles mesmos, além de terem funções ecológicas a desempenhar. Também foi abordada a presença deles na lila transcendental de Deus, no caso específico, fez-se uso de uma passagem do Ramayana, que descreve um ambiente natural, no qual o amor de Sita Rama pela vida se expressa.

Comentei que, mesmo que você não saiba, todo animal tem uma função a desempenhar na Natureza, pois, Ela é perfeita, sendo a Consorte da Suprema Pessoa, sua Shakti. Isso está descrito em qualquer livro de ecologia e fartamente ilustrado em inúmeros documentários em vídeo. A ciência ecológica estuda tal organização dos seres vivos e, indo além, ela mostra como a sociedade humana está rompendo com as cadeias naturais da biodiversidade planetária. Sendo assim, a discussão acerca de antropocentrismo e de especismo é muito relevante, pois, ela nos mostra que, se nos consideramos, enquanto espécie, mais importantes do que outras espécies, isso se deve apenas a uma visão torta de nós mesmos dentro da teia da vida. O fato é que todas as espécies têm seu valor intrínseco, ou seja, merecem ser respeitadas igualmente. Não somos maiores do que nenhuma delas, sendo a impressão de grandeza do ser humano uma enorme pretenciosa e equivocada ilusão.

Isso fica ainda mais evidente ao considerarmos que os animais da natureza estão presentes na lila (ou passatempo) de Deus. As escrituras sagradas, como o Ramayana, cujo trecho foi citado, contam-nos verdades eternas sobre a realidade divina. Tais verdades não devem ser confundidas com mitos ou histórias que apenas ilustram analogias com a condição humana. A condição humana tem origem de Deus e não o contrário. Acreditar que as lilas são mitos, que ilustram características da condição humana, é outra pretenciosa ilusão do ser humano. Então, que se compreenda que, já que os animais da natureza compõem o cenário dos passatempos de Deus, eles também podem alcançar a morada divina. Se eles podem alcançar a morada divina, sua importância intrínseca se torna ainda mais evidente.

Temos que viver a vida em harmonia com todas as demais espécies, considerando que elas têm funções ecológicas a desempenhar, são tão importantes quanto nós e têm almas sagradas, da mesma forma que o ser humano também tem. Tudo se completa no pensamento de Deus e de sua Consorte, a Natureza (Shakti). Que nossas ações estejam em uníssono com tal completude, de modo a que possamos também cumprir com a função ecológica e existencial da espécie humana.

 

[1] Veja como exemplo, o livro “Ecologia de Populações e Comunidades”, de Nivaldo Peroni e Malva Hernández (2011). Disponível em: < https://antigo.uab.ufsc.br/biologia//files/2020/08/Ecologia-de-Popula%C3%A7%C3%B5es-e-Comunidades.pdf>. Acessado em: 7 abr., 2024.

 

[2] LEVAI, L. F. Ética ambiental biocêntrica: pensamento compassivo e respeito à vida. Jus HumanumRevista Eletrônica de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Cruzeiro do Sul, v. 1, n. 1, p. 7-20, 2011. Disponível em: https://revistapos.cruzeirodosul.edu.br/jus_humanum/article/view/26. Acessado em: 6 abr., 2024.

 

[3] HORTA, O. O que é especismo? Ethic@, v. 21, n. 1, p. 162-193, 2022. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ethic/article/view/80645/51384. Acessado em: 6 abr., 2024.

 

[4] SANTOS, R.; GALVÃO, P. (Eds.). Especismo. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2020.

 

[5] A versão utilizada foi traduzida para o Inglês por Hari Prasad Shastri (entre 1952 e 1959) e do inglês para o Português por Eleonora Meier (2015).

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