Romance e amor existem juntos?

Introdução

Este texto faz parte do livro Radha Krishna – o Sol da União entre Chamas Gêmeas, de minha autoria. Selecionei alguns trechos do capítulo intitulado Conceituando as Palavras Romance e Amor, devido à importância do assunto para todas as pessoas do mundo. Ele começa assim:

O amor é um sentimento mais abrangente do que o evento do romance. Ele é o que se sente por outra entidade, podendo haver reciprocidade ou não. Este outro alguém nem sempre é humano, porém, quando o sentimento amoroso envolve romance, pressupõe-se haver envolvimento entre seres de uma mesma espécie.

Mas, no mundo trivial das pessoas humanas, nem sempre amor e romance acontecem juntos. Este é um assunto tratado por the Book of Life[i], o qual aborda equivocadamente o amor, considerando-o uma invenção cultural, que ainda se encontra nos estágios iniciais da sua história.

Considero tal afirmação equivocada, pois, trato do amor como uma manifestação eterna.

Ao mesmo tempo, aproveito de outras conclusões deste mesmo livro, porque elas acertadamente demonstram que existem pessoas e culturas que consideram que amor e romance nunca acontecem juntos, enquanto outros pensam o contrário. O artigo em si é finalizado com uma síntese, na qual se conclui que nenhuma relação amorosa pode oferecer tudo o que se desejaria dela, então, que se aceite obter ao menos uma parte do que se precisa ao invés de desistir da ideia de relacionar-se conjugalmente.

Ao escrever sobre a origem e a Meta das chamas gêmeas, não me refiro a este tipo de amor, que é muitas vezes confundido com as limitações da vida em corpos materiais transitórios. Então, ao que me refiro?

 

O amor romântico

Tento reconstruir o conceito de amor romântico, expondo-o como circunstância do amor enquanto sentimento mais abrangente que associa à criação ao Seu Criador. Tal sentimento é a mais perfeita expressão da unidade que se multiplica e da multiplicidade que busca unificar-se, o que está intrínseco ao sentido de existir do ser humano.

Ao buscar por este amor ideal no mundo desta época, pode-se encontrar vestígios dele, inclusive na literatura e no cinema. Há palavras acerca de intenções de assumi-lo em músicas e poesias, mas, de fato, é muito difícil localizá-lo na prática das pessoas de se relacionarem em vida conjugal umas com as outras.

Os autores de histórias românticas ilustram bem tanto a busca quanto o não achado e ainda o não saber lidar com o que se acha, devido ao despreparo moral das pessoas.

 

Concepção acadêmica de amor

Em uma tentativa de descrever o que é o amor, Heather M. Chapman (2011)[ii] entrevistou profissionais de diferentes disciplinas. Ela obteve informações sobre a importância de neurotransmissores e da atividade cerebral do processo de apaixonar-se; e a respeito da psicologia do amor e de como a filosofia se relaciona com este tema.

De maneira geral, na sua análise, o amor é considerado principalmente o resultado da mistura de influências hormonais com necessidades emocionais relacionadas à subsistência e proteção na sociedade. No entanto, ela recorre também ao conceito de almas gêmeas de Platão, o qual envolve a busca de cada pessoa por uma contraparte perfeita.

Tal conceito é precursor do objeto da presente obra e ele pode ser realmente considerado como fonte arquetípica filosófica e religiosa que rege os mecanismos hormonais e psicológicos mencionados por Heather Chapman.

Porém, a autora finaliza seu trabalho, concluindo que ainda há muito a se fazer de modo a tornar seus resultados aplicáveis à solução do aumento do número de divórcios na atualidade. Esta aplicabilidade do que é de fato observável no ser humano biológico, psicológico e filosófico, a meu ver, depende muito de um aprofundamento maior no aspecto filosófico e religioso do amor.

Concepção filosófica de amor

Discorrendo sobre tal aspecto, David Naugle (s/d)[iii] menciona três tributários que acredita que influenciem a ideia de amor da sociedade ocidental. Estes tributários são: a doutrina de Platão de eros [iv], a obra Symposium[v] do mesmo autor e o conceito bíblico de agape[vi].

Tais tributários contém em si dois conceitos diferentes de amor, o que nos remete mais uma vez às palavras romance e amor. J. Warren Slote (1940)[vii] confronta os dois conceitos, analisando o amor conforme ele é descrito no Symposium de Platão e conforme o apóstolo João, discípulo de Jesus, o coloca em suas escrituras.

O amor platônico é descrito, então, como apreciação da essência do belo e do bom por determinado observador, o qual, perante a visão dela e através dela contempla tal permanente e imortal essência.

Ao contemplá-la, a vida valerá a pena ser vivida e o ser humano terá se tornado imortal. Além do que, é ele um elo que pode ligar o ser humano a Deus e Deus ao ser humano, por traduzir elementos de um para o outro. Ou seja, o filósofo percebe que o arquétipo do amor apaixonado (ou romântico) existe no plano divino, que transcende ao mundo das pessoas mortais comuns.

 

Eros e Agape

Partindo deste ponto de vista, eros ou sentimento de amor romântico não se exclui da experiência que aqui desejamos abordar.  Ele se complementa com o amor ao qual o apóstolo João se refere em seus escritos. 

Warren Slote (1940) tenta sumarizar o pensamento do apóstolo, mas, na sua discussão, coloca-se de maneira muito fragmentada. Ele menciona que há duas origens para o amor: uma delas é natural, pois, este sentimento existe naturalmente na alma; e a outra é implantada na alma por um poder externo a ela, que é Deus.

O equívoco está em considerar Deus como externo e o amor dEle como algo que é implantado na alma, a qual tem este sentimento dentro de si, sem que ele seja o amor que Deus implanta nela.

Ademais, este autor, diferencia o amor, conforme ele é exposto pelo apóstolo João em:  natural, voltado a qualquer coisa do mundo material ou imaterial e/ou à glória do homem; e divino, dirigido a Deus primeiro e depois para suas criaturas, inclusive o ser humano.

O objetivo primordial deste amor, que é o mesmo agape comparado acima com eros de Platão, é causar comunhão com um Deus que é pessoal e, então, projetá-lo aos “amados” dEle[viii] e a todas suas criaturas.  Este último amor fraterno é o mesmo tantas vezes mencionado por Santo Agostinho como “o que nos faz amar uns aos outros”, sendo “a própria essência do homem”, nas palavras deste pensador Cristão[ix]

 

Madhurya: amor conjugal por Deus

Exatamente por ser este amor voltado a um Deus que é Pessoa, torna-se possível fazer uma aproximação das duas categorias de amor aqui focalizadas. O romance (amor romântico ou eros), que se volta à essência do belo e/ou do bom, segundo a percepção de quem ama; e o amor propriamente dito (amor divino ou agape), direcionado à Pessoa de Deus.

A união dos dois tipos de sentimento existe em Tereza de Ávila, para quem, através de Jesus, o divino se acerca do ser humano. Torres (2016)[x] descreve o amor teresiano como extático e unitivo, de uma contemplação mútua entre ela e o filho de Deus. Teresa quer ser esposa de Jesus, o que suscita dúvidas sobre a possibilidade do ser finito humano ser possuído e/ou possuir ao absoluto.

Mas, Teresa de Ávila percebe em Jesus a ocasião em que o gênero humano se faz uno com o corpo divino. Tal tipo de ocasião, embora seja eventualmente questionada dentro do âmbito do Cristianismo, tem sido frequentemente mencionada como parte da percepção Bhagavata de Deus.

Tal percepção vê Deus como uma Pessoa Suprema, que é a Fonte de todas as outras pessoas e as contém, bem como se relaciona com todas elas, de alguma forma. Mas, em um mundo em que o materialismo predomina, poucos conseguem entender como tal relacionamento acontece.

Ocorre que, sendo Ele uma Pessoa, esta Pessoa ama e, ao mesmo tempo, se relaciona romanticamente com algumas outras pessoas[xi].

Então, tem-se amor (agape) e romance (eros) interligados em um único evento, o qual é eterno e perfeito. Na verdade, quando entre seres humanos existe amor e romance juntos, tem-se uma manifestação do que originalmente existe na Consciência Absoluta de Deus.

Este tipo de amor divino é o arquétipo de um sentimento que une a alma ao seu Deus e a Deus para com tudo o que Lhe pertence, sendo um sentimento bastante necessário no mundo. Ele é necessário pois, além de inspirar o convívio harmonioso entre homens e mulheres, também causa o respeito para com as demais espécies.

Está no amor divino (ou amor propriamente dito) o sentido que desejo enfatizar de tal palavra, sendo ela o que aponta para o conceito que alguns dão ao amor em si.

 

Últimas palavras

Só que este tipo de relação tão perfeita é bem rara entre os seres humanos, o que não aconteceria se as pessoas estivessem mais determinadas a se relacionarem com Deus e a viverem conscientemente a realidade de tal relação dentro das relações humanas que experimentam.

O amor que existe entre chamas gêmeas, embora seja buscado mesmo que inconscientemente pelas pessoas, sendo o que as impulsiona geralmente a desejarem por romance (ou amor romântico), raramente pode ser encontrado por mentes sem preparo. 

Mas, de fato, este tipo de amor é o único que pode causar a mais perfeita união entre eros e agape em um mesmo evento amoroso. Demonstrarei porque faço tal afirmação e também como encontrar com este tipo de relação dentro de um processo de divinização da existência humana, o que faço no livro Radha Krishna – o Sol da União entre as Chamas Gêmeas.

Quem leu e não entendeu pode ter desenvolvido sentimentos contraditórios acerca do livro. Mas, o coração dentro do qual o livro ressoou, este sim, está perto de entender o verdadeiro fim do amor que existe entre as chamas gêmeas.

 

Notas:

[i] A Short History of Love. In: The Book of Life. Chapter 3 – Relationships: Romanticism. Disponível em: http://www.thebookoflife.org/a-short-history-of-love/, acesso a 19/11/2017.

[ii] Chapman, Heather M. Love: A Biological, Psychological and Philosophical Study. Senior Honors Projects, paper 254, 2011. Disponível em <http://digitalcommons.url.edu/srhonorsprog/254>. Acesso a 19/11/2017.

[iii] Naugle, David. The Platonic Concept of Love: The Symposium. Disponível em < https://www3.dbu.edu/naugle/pdf/platonic_love.pdf> . Acesso a 17/5/2017.

[iv] Eros é o amor direcionado a um objeto com o qual se deseja unificar-se através de tal sentimento. Muitos o confundem com sexualidade e/ou erotismo, mas, conforme o que se pode verificar no artigo de David Naugle (ver acima), eros é mais profundo do que apenas o amor sensual que as pessoas comumente sentem umas pelas outras. Afinal, o eros de Platão é um sentimento que traduz a afeição causada pela percepção de beleza entre o humano mortal e o ser divino imortal. Para entender este tipo de amor, é necessário transcender a compreensão meramente linear do pensamento materialista.

[v] O Symposium de Platão é um diálogo, apresentado em forma dramática, com objetivo de explicar o significado de eros. David Naugle (ver nota acima) explica que este estilo literário era construído a partir de uma atividade social e descrevia à mesma e os diálogos acontecidos dentro dela. Tratava-se de um evento, onde os convidados bebiam, divertiam-se e dialogavam em torno de assuntos que lhes interessavam. Recitações de versos, canto, dança, mímicas e outras atividades de entretenimento compunham encontros deste tipo.

[vi] Agape é o amor que se sente por Deus e pelas almas, as quais existem em unidade com Ele, porém, são diferentes do Senhor. Trata-se de um sentimento incondicional, que pode se expressar na forma de solidariedade, caridade, compaixão e de outras maneiras, as quais expressam irmandade entre as pessoas. A palavra é empregada principalmente para contrapondo-se ao eros platônico, considerado um tipo de amor egoísta e interesseiro.

[vii] Slote, J. Warren. The Concept of Love by Plato in the Symposium Compared with the Concept of Love by John in the Holy Scriptures. Master’s Theses, paper 310, 1940. Disponível em: http://ecommons.luc.edu/luc_theses/370. Acesso a 19/11/2017.

[viii] Por “amados dEle” compreenda-se aqueles que vivem para o Senhor, sendo devotados unicamente ao Seu amor. O apóstolo João tinha em Jesus um referencial deste tipo de devoção.

[ix] Algumas compreensões sobre o amor de Santo Agostinho foram obtidas do artigo de Carlos Alberto P. Vieira, intitulado “O Amor como Fundamento da Ordem Social em Santo Agostinho”, Paralellus, ano 1, n. 1, jan/jun 2010, p. 59-69.

[x] Torres, Cayetano Aranda. La filosofía del amor en Teresa de Ávila. Revista de Espiritualidad 75, p. 113-138, 2016.

[xi] Madhurya-Rasa é o nome que se dá a um tipo de conjunto de sensações e vivências conscientes, às quais uma alma pode submeter-se, ao relacionar-se com a Pessoa de Deus (Bhagavan) através do amor conjugal.

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