Diálogos Entre Religião e Ciência e Entre Deus e a Natureza

Começo a escrever este texto a partir de um certo ponto de vista no qual Deus é o Purusha original e a Natureza é Prakriti, Deus é Krishna e a Natureza é Radha, Deus é Shiva e a Natureza é a Shakti (Parvati). Trata-se de uma postura religiosa. Então, lembro que a religião se ocupa de Deus enquanto a ciência se ocupa da Natureza. Por isso compreendemos que, partindo do ponto de vista aqui apresentado, religião e ciência estão obrigatoriamente entrelaçadas.

Muitas vezes as pessoas negam isso, mas negam por não terem uma visão que lhes permita enxergar os mecanismos da vida a partir de tal ponto de vista. O fato é que percepções que se originam da perspectiva religiosa mencionada inspiram certos sentimentos pela Terra que são importantes para a manutenção do equilíbrio ecológico.

Além do que, elas podem ser encontradas também em algumas vertentes da filosofia ocidental. Neste texto vou mostrar certos diálogos interculturais que estão em andamento, embora ainda estejamos trabalhando com eles[i].  Para introduzir, escolhi algumas questões que são importantes de serem pensadas.

 

A questão ambiental

Nessa época que nós estamos vivendo, a questão ambiental tem muita relevância. Ela está sendo bastante considerada porque já se tomou a consciência que não dá para viver sem o meio em que nós estamos, sem cuidados com ele – com água, atmosfera, solo, oceanos, rios -, enfim com tudo, o lençol freático, as florestas. Sem os cuidados, até mesmo com os povos originários, não dá para haver paz socioambiental. Alguns percebem a importância dos indígenas, das comunidades tradicionais. Sem todos esses elementos não têm como o planeta continuar existindo. Vai chegar um tempo em que algo vai acontecer; e rompe-se com toda essa cadeia de eventos que mantem a resiliência do planeta.

Resiliência significa a capacidade do planeta aguentar, de realmente resistir a tantas agressões. E nesse mundo da atualidade a gente vê, é bem óbvio, basta olhar a nossa volta, que há os países ricos e os países pobres e há os que são meio termo. Os que são centrais na economia global e os que são periféricos. Dentro disso, a partilha de recursos é sempre desigual. Internamente aos países também acontece o mesmo tipo de situação. O nosso país é assim, os ricos ficam com muito para eles e os pobres ficam com quase nada. E em geral os que são ricos, as pessoas ricas, querem tudo para si e não se preocupam com o que vai acontecer depois.

Os países ricos, eles já destruíram praticamente todas as suas reservas naturais de florestas e agora eles se preocupam com o problema das mudanças climáticas. Mas, por causa deles, da ansiedade que eles tiveram para com os recursos naturais é que a gente chegou à situação atual. E aí países como o nosso, que está em desenvolvimento, assim como outros países da América do Sul, têm ainda suas reservas de recursos naturais, inclusive florestais, mas estão indo nessa mesma direção.

Por causa da ansiedade por recursos, ou seja, por dinheiro, há uma degradação forte da natureza. Tal questão se transforma em muitos discursos, sejam acadêmicos, sejam políticos. E isso aparece na nossa vida diária, até mesmo na situação do clima. Não tem como negar que o clima está mudando, não adianta ser negacionista. Não tem como negar que uma pandemia veio e matou milhares de pessoas, porque há um descontrole, um desequilíbrio ecológico. Não tem como negar essas coisas. Mas no discurso político ainda tentam, muitos tentam ser negacionistas enquanto outros são mais realistas.

 

Os Ambientalismos

Dentro da academia também existem discursos diferentes. Há abordagens ambientalistas que são radicais e abordagens que são mais moderadas.

Radicais são aquelas abordagens que acreditam que não tem conciliação entre a busca por um desenvolvimento da sociedade humana e a manutenção de um equilíbrio ecológico no planeta. Já as moderadas acreditam ser possível haver tal conciliação através do chamado desenvolvimento sustentável. Através dele se encontrariam meios de haver uma justiça social, mas também uma justiça ambiental. E, enfim, por existirem essas abordagens diferentes ambientalistas, muitos movimentos pedagógicos foram surgindo em torno de um projeto que seria alternativo para todo planeta, um projeto global.

Os movimentos pedagógicos buscam maneiras de pensar os currículos das escolas, dos processos de educação, inclusive de educação ambiental. Exemplos são:

– Educação Global – é um movimento pedagógico em torno de um projeto alternativo para o desenvolvimento planetário e das sociedades. Para que o planeta continue o seu processo de resiliência, um processo de equilíbrio ecológico e social. Muitas instituições usam esse termo, outras preferem propor uma Educação para a Sustentabilidade, mas trata-se de movimentos diferentes.

– Ecopedagogia ou Pedagogia da Terra – é um termo que muitos brasileiros trabalham, tratando-se de uma pedagogia mais ecológica preocupada com a reinterpretação ou recolocação do ser humano no seu meio. Propõe uma educação por meio de uma pedagogia que busca situar o ser humano de outra maneira nessa época.

E é aqui que a gente entra, porque nós estamos falando em uma aproximação entre ciência e religião e no entrelaçamento eterno que existe entre Deus e a Natureza, Radha Krishna e/ou Shiva Parvati. Estamos pensando nisso, no ser humano vivendo de acordo com os princípios de uma ecopedagogia, ou seja, de maneira mais harmônica com o seu meio.

 

Diálogos Brasil-Índia

Faço uso de alguns resultados de um trabalho acadêmico que estou desenvolvendo. Na verdade, ele é também religioso, e tem como objetivo contribuir com a constituição de um diálogo cooperativo entre Brasil e Índia. Por que isso, afinal? Porque tanto o Brasil quanto a Índia são países considerados periféricos na atual ordem mundial, desde o ponto de vista da economia. Existem outros países que são centrais, da Europa, da América do Norte. São países que controlam mais as tomadas de decisão globais (o G7).

Brasil e Índia estão entre os BRICS (ao lado de Rússia, China e África do Sul). Dentre eles, o Brasil e a Índia têm muitas similaridades e muitas diferenças. Existem vários artigos acadêmicos trabalhando as semelhanças que há entre Brasil e Índia.

O nosso trabalho em particular, esse diálogo, vai permitir lidar com relações internacionais, aquelas que permitem solucionar conflitos, evitar conflitos, além de buscar intercâmbios construtivos. Os seguintes quatro termos são eixos acadêmicos do diálogo que propomos: relações internacionais, construção da paz, diálogos interculturais e educação ambiental complexa.

Nós estamos falando sobre Educação Ambiental Complexa, já que existem várias classificações para educação ambiental. Ela é dita complexa quando se baseia em uma ecologia profunda, em realmente uma imersão nos significados da Terra. Ela propõe a vida humana em harmonia, em equilíbrio com a Natureza, assim como aprendemos e ensinamos na nossa religião (uma vertente Neo Bhagavata do Hinduísmo).

 

As Viagens para a Índia

Esse trabalho em desenvolvimento tem um percurso metodológico e alguns resultados são preliminares. Com o tempo vou me aprofundar nessas análises, mas aqui a gente já apresenta alguns resultados. Vejam, naqueles tempos em que estávamos indo com frequência para a Índia, foram 792 dias ao todo de permanência no país.

Totalizamos oito viagens, realizadas entre os anos de 2013 e 2018. Esse foi o período das viagens. Depois, quando nós paramos de viajar, em 2019, viemos para a Amazônia paraense. Entre 2019 e o ano atual (2022), houve um período de acúmulo de referenciais científicos ou de elaboração de um referencial teórico. Agora estou fazendo aproximações daqueles resultados que tivemos das viagens para com o academicismo. Naquelas viagens, só estávamos observando os fatos no país Indiano desde o ponto de vista religioso-espiritual. Mas, agora faço a aproximação com a ciência, devido a um referencial acadêmico que se acumulou entre 2019 e 2022.

Dos 792 dias de permanência na Índia, a maior parte do tempo foi em Vrindávana, a cidade de Krishna. No entanto, estivemos também em outras cidades. New Delhi, que é a capital da Índia. Varanasi, que é uma cidade importante de Shiva. Mesmo na região de Vrindávana tem outras cidades em volta, Mathura e as demais, que formam o cinturão chamado Vraja. É uma área bem importante para peregrinação, devido a vibração mesmo de Krishna, Balarama, das gopis e de todos os demais companheiros associados dEle, do Senhor Supremo nessa lila, a qual se dá na região.

Nós fomos para outros lugares ainda, no norte da Índia, chegando próximo aos Himalaias. Em cidades que igualmente são muito importantes para peregrinação, Rishikesh e Haridwar. Fomos também para o sul da Índia, em várias cidades, estivemos em Dwarka, Somnath, as quais são cidades sagradas de Krishna Shiva.

Mas, foi em Vrindávana que desenvolvemos algumas parcerias de estudos e de ação prática, principalmente no período de 18 de setembro de 2015 e 2 de janeiro de 2017. Nesse período, de um ano e quatro meses, nós permanecemos continuamente na Índia. Uma das parcerias que fizemos foi com a Friends of Vrindavan (Amigos de Vrindávana). Na figura ao lado, pode-se ver o presidente de tal Organização Não Governamental. Nós conversamos com ele, e ele se propôs realmente a estabelecermos algo juntos, mas precisava ter dinheiro, o que é sempre a parte mais complicada.

Trata-se de uma instituição que trabalha com a questão ambiental de Vrindávana. Ela está interessada em manter um meio ambiente mais saudável ali, havendo inclusive uma preocupação com os pavões da cidade, de estabelecer um criadouro para eles. Isso porque os pavões originalmente abundavam na região de Vraja, o que já não acontece mais atualmente.

Outra das instituições com as quais dialogamos foi a Braj Foundation. Ela pertence a um jornalista importante da Índia, o Vineet Narayana, que tem um jornal e é uma pessoa conhecida. Ele também se interessou em apoiar de alguma maneira nossas atividades. Sua fundação trabalha com restauração de alguns monumentos, de algumas áreas de Vraja. Na foto abaixo, pode-se ver o Senhor Brahma, em um Kunda que foi restaurado pela instituição – o Brahma Kunda.

Estivemos ainda em contato com o Jiva Institute, que foi onde permanecemos por mais tempo. Ali a ideia era apenas estudar, aprender mais sânscrito, estudar as escrituras sagradas do Hinduísmo, porém, acabamos alugando um apartamento e ficamos durante um ano.

E, enfim, na Banaras Hindu University, em Varanasi, estive conversando com alguns professores. Porém, não conseguimos ficar mais tempo lá por causa da dificuldade com os vistos da Índia. Não estava com elo acadêmico aqui no Brasil, então, não era realmente o momento. Nós apresentamos um projeto que era completamente na linha da construção cooperativa da paz. E vejam, foram várias coisas que aconteceram naquele um ano em que permanecemos na Índia. A seguir comento um resumo comparativo das principais compreensões obtidas nessas viagens.

Aproximações entre Ecologia e a Religiosidade pela Terra

A ecologia profunda é uma linha da ecologia que é do ocidente. Aqui estou fazendo aproximação de filosofia não ocidental com filosofia ocidental. Do pensamento que não é acadêmico, obtido por vivências religiosas, espirituais, com pensamento que é científico – a ecologia profunda, que é acadêmica, científica.

Nós temos vários autores aqui no Brasil que mencionam também a ecopedagogia, a pedagogia da Terra. Eu pessoalmente estou fazendo uma aproximação entre princípios da educação ambiental complexa – que educa para o aprofundamento filosófico ecológico – e princípios da ecopedagogia. A aproximação é como eu classifico àquela vivência na Índia com relação a essas duas linhas de pensamento acadêmico – ecologia profunda e ecopedagogia.

A cada viagem, muitas vivências; e, em uma delas, a primeira viagem, de 2013, quando foram 31 dias de permanência, vivenciamos a filosofia de unidade do ser humano para com a Terra, o que se torna possível por aprofundamento filosófico. Isso tem relação com as experencias na consciência de Bhu Devi (a pessoa da Terra), com Krishna (o Esposo, a Pessoa de Deus).

O sentimento de unidade com a Terra também aparece na ecologia profunda e nas práticas da educação ambiental complexa como tentativa realmente de fazer com que haja mais harmonia entre o ser humano e a natureza.

Pode-se fazer uma aproximação, em torno disso, com a ecopedagogia, quando ela pretende que as pessoas percebam o planeta como uma comunidade, ou seja, todo mundo junto vivendo como uma comunidade dentro do planeta. O aprofundamento filosófico que percebemos a partir da ideia da unidade com a Terra (em Bhu Devi) vai exatamente nessa direção, é a solução para tal necessidade, para chegarmos a essa harmonia e vivermos a diversidade no planeta.

Para ir mais fundo nisso, cito aqui um diálogo de Krishna com Uddhava em torno do sábio que aprendeu tudo o que sabia através da experiência com muitos mestres da própria natureza com os quais ele vinha travando contato. Esse mestre diz que a partir da Terra: “eu aprendi a fazer o voto de permanecer não perturbado mesmo que me pisem. Mesmo quando sou pisado. Observando a Terra, aprendi isso com ela. Mesmo pisando nela, ela continua imperturbável, ela continua funcionando. Com total conhecimento dos opressores, os mesmos que estão pisando a Terra, ou seja, os mesmos que estão destruindo a Terra, estamos falando agora com conhecimento total deles. Eu sei que eles estão funcionando a partir da vontade da providência. Sendo assim, uma pessoa que sabe desse conhecimento e que tem um pensamento forte, essa pessoa sábia, não se desvia do seu caminho (Bhagavata Purana 12.7.37).” É assim que a Terra é, ela segue seu dharma.

 

A Terra é Mãe

Outro ponto que surgiu da viagem de junho/julho 2014, envolve a busca de soluções para a crise ambiental a partir de atitudes filosóficas, e da historicidade étnica – de histórias de diferentes povos na Índia e no mundo -, fazendo uso de um termo para aproximar vivência da Terra (Bhu Devi) com a academia. Quero dizer que algumas soluções para a crise ambiental podem vir do conhecimento étnico que existe na Índia, de modo que podemos aprender com ele.

Pessoas incrédulas chamam tal conhecimento de mitologia, mas chamar as histórias sagradas da religião Hindú de mitologias é desrespeitoso e/ou preconceituoso. Trata-se de um desrespeito de uma cultura para com a outra.

Importa dizer que, na educação ambiental complexa, existe a preocupação com a natureza, com o valor intrínseco dela. É importante que se perceba que tal valor intrínseco da natureza, também presente na ecopedagogia, ensina que a Terra é uma Mãe, que ela é viva e está sempre em evolução. Nas vivências que tivemos na Índia também percebemos tais questões presentes tanto em atitudes filosóficas e religiosas quanto nas escrituras sagradas daquele país.

Na nossa terceira viagem, que foi em final de 2014 e início 2015, com permanência de 35 dias, houve predomínio da percepção de soluções para a crise ambiental global a partir da filosofia profunda. Percebemos a necessidade de uma nova consciência, a consciência do humano que sabe o que é realmente sustentável e o que não é; e, ao mesmo tempo, que isso vem de atitudes filosóficas, as quais estão presentes na própria historicidade étnica que existe na Índia e nas suas escrituras sagradas. Nos passatempos[ii] de Harihara (Krishna Shiva), é possível encontrar elementos que contribuem com a construção dessa nova consciência.

Dentro disso, em uma passagem do Uddhava-Gita, aquele mesmo sábio acima mencionado, fala como um discípulo da montanha: “Como discípulo da Montanha eu aprendi, até desisti de algumas atividades pelo bem dos outros seres. E como um aluno da árvore eu aprendi que às vezes é preciso ser útil para os outros, de acordo com a necessidade deles e ficar quieto (Bhagavata Purana 12.7.38).” A árvore é assim, ela está ali parada no lugar dela, oferecendo sombra, fazendo o serviço dela, fazendo o que ela precisa fazer para o meio natural.

Percebe-se então Krishna falando para Uddhava nesse diálogo como é possível você aprender com as coisas da natureza. Sendo assim, tal conhecimento filosófico, disponível para sempre na forma de escrituras sagradas do Hinduismo, está nos mostrando uma ecologia profunda.

Ainda fizemos mais três viagens: em 2015, foram 49 dias; entre 2015/2017, houve uma permanência mais longa, de 472 dias; e ainda em 2017, mais 36 dias.

Vivências desses períodos nos mostraram como os objetivos materiais precisam ser subalternos aos valores que têm mais excelência – como amor pela vida, pela Terra, por todos seres viventes. Isso existe também no pensamento ocidental que está na educação ambiental complexa como preocupação da ecologia profunda em torno de que os objetivos materiais estejam a serviço da autorrealização.  E na ecopedagogia, que promove uma justiça sócio-cósmica, através da qual a Terra seja vista como o maior dos pobres. Ou seja, ela precisa de cuidados.

Assim como existem movimentos preocupados com o bem-estar das pessoas que não têm uma condição de vida favorável, a Terra como o maior dos pobres (dos oprimidos), precisa da nossa proteção e dos nossos cuidados. Para aprender a cuidar dela por meio das atitudes diárias, é preciso assumir escolhas subalternas a algo maior, mais relevante, que é a autorrealização.

 

Respeito pelas Diferenças Culturais

Resta-nos mencionar ainda mais duas questões: os propósitos coparticipativos e de interesse mútuo de cooperação; e algumas analogias filosóficas que pudemos fazer. Tais elementos surgiram exatamente na nossa viagem mais longa à Índia, naquele período de construção de parcerias. Ficou claro que os indianos tinham interesse em torno das parcerias que buscávamos. A ecologia profunda ocidental de fato reconhece a necessidade de diálogos entre diferentes biorregiões, bem como da importância de se reconhecer o valor do conhecimento das minorias.

Ou seja, não é preciso viver no mundo de um mesmo jeito, na mesma condição hegemônica que teve origem na Europa, e que predomina aqui no Brasil. Há um estilo de vida, que está muito difundido no ocidente, que é bem destrutivo dos recursos da Terra. Ao contrário disso, é possível ensinar uma pedagogia biofílica, que propaga amor à vida, fazendo com que as pessoas tenham isso na sua vontade de se desenvolver, se relacionar, se comunicar com outras pessoas a partir de propósitos coparticipativos.

A necessidade de diálogos entre biorregiões inclui as analogias filosóficas e entre subjetividades que podem ser feitas. Assim como estamos fazendo agora. É importante para o planeta e para a humanidade que compreendamos o valor de diferentes expressões da inteligência humana e que estejamos abertos para aceitar o que existir de melhor para o todo. Portanto, pode-se dizer que a questão do reconhecimento das minorias é uma ternura que é necessária para com nossa casa, a Terra, o que aparece na ecopedagogia.

É necessário integrar valores e crenças, elementos étnicos e culturais que educam ambientalmente atitudes e sentimentos, o que aparece também nas linhas acadêmicas de pensamento filosófico que comentamos. A ecologia profunda se refere à preocupação com o desenvolvimento de tecnologias que não sejam apenas os da ciência dominante. Existem meios de cultivar a terra, de cuidar dos animais e das plantas e de produzir alimentos de maneira menos agressiva para com o planeta. Existem tecnologias mais apropriadas para que, por trás do uso delas, se faça o cultivo de uma racionalidade mais intuitiva, mais afetiva e não apenas instrumental. Tal racionalidade é proposta pela ecopedagogia.

Portanto, mais uma vez, percebem-se aproximações muito nítidas entre o pensamento não ocidental e o pensamento ocidental, entre a filosofia indiana, a ecologia profunda e a ecopedagogia.

 

Concluindo

No final de tudo (que também é um início), coloco a necessidade de organizar uma síntese de todos os conhecimentos científicos filosóficos acadêmicos que venho acumulando (e as compreensões religiosas). Trata-se de algo tratado dentro do que na ecopedagogia se propõe como uma ecoformação, a qual é constante e amplia nosso ponto de vista infindavelmente.

Finalizo, com mais um comentário que vem do Uddhava Gita, quando Krishna menciona a cobra jiboia como uma mestra, uma mestra com quem o sábio da narrativa também aprendeu. A jiboia ensinou ao sábio a permanecer, em alguns intervalos da vida, sem nenhum esforço, sem nenhuma atividade, só esperando o alimento chegar para ela. É possível fazer isso e, se o alimento não chega para você na quantidade que você pensava, tudo bem. Você não deve correr atrás daquilo que não vem para você segundo o que a Providência lhe fornece. E isso não é só questão do alimento, mas de todos os recursos que nos são necessários.

Quando nos satisfazemos com o que nos vêm com mais facilidade, mesmo que de maneira parcimoniosa, nos tornamos mais generosos para com a própria Terra. Nos tornamos mais respeitosos para com ela, que é a Mãe Terra (Bhu Devi, Pachamama, Gaia), sendo mais equilibrados para com a vida, assim como os outros seres vivos costumam ser.

Na conclusão de tal reflexão, seguem algumas cenas da Índia. À esquerda, um pequeno bosque de arvoredos de Radha Krishna, onde o Casal Divino se encontra eternamente à noite e os devotos fazem suas peregrinações; e à direita, o Rio Yamuna sendo adorado em yajna. Ambas as cenas acontecem na cidade Vrindavana, Uttar Pradesh, o local onde permanecemos por mais tempo nas nossas idas para a Índia. Ambas manifestam o que resulta de um processo de aproximação da reverência ao meio natural para com conteúdos das escrituras sagradas e do pensamento filosófico e religioso profundo.

Referências

[i] MORAES-ORNELLAS, V. S.; ORNELLAS, R. B. Diálogos filosóficos interculturais em torno da ecopedagogia – um estudo de caso da educação ambiental. In: Fórum Internacional de Pedagogia, 13., 2022, Altamira – PA.

[ii] Passatempos das divindades são histórias sagradas e transcendentais de eventos que as conectam com a própria história da Terra, evidenciando seu poder de intervenção no planeta.

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