Caminho da Flor de Lótus (Kamala ou Padma Yoga)

Introdução

Este texto faz parte do livro Bhakti-Rasa e o Caminho da Flor de Lótus, de minha autoria. Nele descrevo um Caminho (ou Yoga), o qual me conduziu a uma vida de compreensões sublimadas, de serviço puro à Pessoa de Deus e de Amor sem máculas por Ele que é a Fonte de tudo.

A flor de lótus fois escolhida para ilustrar o meio pelo qual se transita para chegar à Meta porque ela sempre tem sido associada à espiritualidade elevada e à pureza da consciência.

Na tradição indiana, esta flor é representada junto das divindades e do próprio Senhor Supremo.

Seu significado místico tem inclusive relação com a maneira como ela vive na natureza. Trata-se de uma flor que aparece sobre a superfície da água, mas, cujas raízes estão em fundo lodoso.

 

Arquétipo da Alma

Entenda-se aqui que a flor de lótus enquanto arquétipo da alma é, portanto, um estado da pessoa humana. Aqueles que a cultivam dizem que ela tem um ciclo de vida longo e que, em geral, floresce nos meses de verão.

Aproveitamos destas características ecológicas para engrandecer o raciocínio que nos interessa aqui desenvolver.

Vejam que o amadurecimento espiritual é também algo que precisa ser cultivado às vezes ao longo de uma extensa sequência de etapas.

Esta flor de lótus que está no coração do ser humano está enraizada no que podemos entender como o lodo da Terra. Porém, este lodo pode ser compreendido no bom sentido como o elemento orgânico do mundo onde estamos, o substrato que a natureza deste planeta nos fornece para viver.

Tal substrato contém todos os ingredientes químicos e biológicos do planeta. Ele é dinâmico e intrinsecamente inteligente, sendo que sua diversificada conformação fornece ao ser humano diferentes tipos de ambientes e paisagens.

Desta forma, sua diversificação é também importante para a geração de bem-estar moral e paz para as pessoas.

 

Necessidades da Flor de Lótus do Coração

No caso da flor de lótus enquanto representação de um estado de espírito, sua semente, que está dentro da pessoa, encontra-se no meio também dos constituintes do mundo social e cultural e do imaginário de cada época. Portanto, o desenvolvimento da flor depende de muitos fatores.

A semente precisará se romper, para que haja o aparecimento do propágulo da planta. O propágulo, por sua vez, também terá que fazer frente às variáveis do meio, para que possa atingir o estado de botão.

O propágulo humano pode ser entendido como a condição da pessoa que já despertou para a vida espiritual, mas, que ainda precisa crescer em direção à luz.

Comparando-o com o estágio inicial do crescimento da planta, que se dá após a germinação da semente, entende-se ser preciso haver o suprimento das necessidades específicas à esta etapa do indivíduo, para que a essência da flor possa se expressar através dele.

Tais necessidades estão no ambiente natural, na sociedade humana e em suas criações e na provisão de conhecimento e prática espiritual.

O ambiente natural inclui o ar e a água e seus ciclos de renovação da natureza, bem como as plantas e os animais, que têm inúmeras funções ecológicas.

Há plantas e animais que inclusive participam diretamente da vida nos ambientes da experiência em família e/ou que compõem certas opções de lazer.

Uma vida sem a natureza e seus componentes não se faz possível e existem pessoas que reconhecem esta verdade. Para tais pessoas, o ambiente natural é um elemento vital, que agrada aos sentidos e acalma o coração.

Quando menciono a sociedade humana e suas criações estou falando de tudo o que é criado, empregando-se do raciocínio e/ou de ferramentas, a fim de gerar supostas facilidades e conforto para a experiência individual ou coletiva.

Usa-se do raciocínio para estabelecer diretrizes para o pensamento de cada época, o que se dá através dos meios de comunicação, da literatura, da ciência e de outras manifestações escritas ou faladas.

Empregam-se de ferramentas para prover as pessoas de itens para subsistência, trabalho, entretenimento e outras ocupações.

Por conhecimento e prática espiritual entenda-se tudo o que eleva o pensamento, conduzindo homens e mulheres a uma parte do mundo que está além do raciocínio linear.

A parte da existência que não pode ser explicada apenas pela lógica mecanicista da ciência empírica, mas, que povoa as mentes e os corações de milhares de indivíduos, é o elemento espiritual da vida. Este elemento acaba sendo sempre objeto da busca por compreensão de boa parte da sociedade global, de alguma forma.

O evento do florescimento do que estamos denominando de lótus interior se dará a partir da nutrição da alma com este elemento, na forma de conhecimento e prática espiritual.

 

Nutrindo a Flor de Lótus Pessoal

De forma semelhante ao que acontece com a flor biológica, a flor de lótus espiritual também floresce no verão, o verão da alma. Ao me referir ao verão da alma me refiro ao auge da consciência iluminada, o qual nos eleva até obtermos acesso ao mundo transcendental.

Por meio de tal conquista, nos tornamos livres e independentes das necessidades que fazem com que certas pessoas se sintam obrigatoriamente atreladas às coisas do mundo material que lhes parecem indispensáveis ao cotidiano.

Porém, uma parte importante do cultivo desta flor de lótus é a renúncia.

Renunciar significa abrir mão de algo (objeto ou situação) e/ou de um conjunto de objetos ou situações, de modo a dar-se espaço na vida.

Este espaço, para quem está desenvolvendo vida espiritual, faz-se ocupar pelo que é fundamental para cada uma das diferentes etapas que a alma alcança em sua caminhada.

A cada etapa, em geral, novos valores são cultivados, de modo que a renúncia ao material tende a crescer.

Então, objetos aos quais, a princípio, não parece tão fácil renunciar, para a pessoa que começa a se interessar por vida espiritual, com o tempo passam a ter outros significados.

Daí renuncia-se a eles e sucessivamente também a outros, de modo que aquele que renuncia ao que um dia tão fortemente o atou à experiência mundana vai se tornando mais espiritualizado.

A flor de lótus vai se transformando, passando por várias fases de seu desenvolvimento.

Enumero aqui as seguintes fases: (1) semente; (2) propágulo; (3) botão (prestes a se abrir); (4) flor aberta madura, liberando sua fragrância e sendo polinizada; (5) flor produzindo sementes; e (6) flor já seca, liberando as sementes maduras.

 

Fases do Amadurecimento Espiritual

A semente está no substrato orgânico do mundo e contém a essência da flor em seu interior. Trata-se esta da fase em que a pessoa humana ainda se encontra ocupada predominantemente com atividades do mundo material.

Quando começa a haver necessidade por vida espiritual, porque a alma está sentindo necessidade de se expressar, existe inquietação e nesta etapa, geralmente, a experiência material se torna insatisfatória.

Para que a semente germine, então, é preciso haver alimento espiritual, na forma de conhecimento e prática. Ao haver germinação, ela dará origem, enfim, ao propágulo.

O propágulo irá se adiantar no desenvolvimento ou não, de acordo com a nutrição que se dê a ele. Às vezes acontece de ele perecer, quando quem começou a interessar-se por vida espiritual se deixa atrasar, não se abrindo para que a experiência se faça na sua vida.

Mas, se houver busca, séria e convicta, esta fase pode ser ultrapassada rapidamente, até que se alcance o botão da flor.

Dentro do botão, há uma flor de lótus perfeita se formando, a qual se abrirá segundo o ritmo de cada um. Para que ela se abra, há a necessidade de suprir a vida com os elementos já mencionados como essenciais para a sobrevivência do propágulo, ou seja, os que pertencem ao ambiente natural, à sociedade humana e suas criações e à provisão de conhecimento e prática espiritual.

Quando a flor se abre, enfim, ela exala forte fragrância, a qual se traduzirá, para quem dela se aproxime, às conquistas da alma.

 

O Auge do Processo em Bhakti-Rasa

Esta tradução poderá orientar outras almas a também seguirem seu rumo de modo a abrirem-se para a experiência espiritual.

Interessa-nos dizer, no âmbito de uma experiência personalista/impersonalista de Deus, que é neste momento que a pessoa humana vive em Bhakti-rasa.

Bhakti-rasa é a categoria de serviço devocional mais perfeita, quando se tem consciência de si mesmo na vivência da performance da Pessoa Suprema.

Depois de certo tempo ocupando-se com tal categoria de serviço, a alma irá se desfazendo de seus últimos elos com este mundo material.

As sementes que irá espalhar ao seu redor, em um raio de ação que pertence a cada um em particular, conforme o que o Plano Divino lhe concede, serão também preparadas durante certo tempo antes de estarem prontas.

Este preparo das sementes representa a etapa de amadurecimento da tradução do que se experimentou. Esta tradução se dá na forma de alguma obra ou conjunto de atividades que contribuirão com a espiritualidade de outras pessoas.

Tendo sido concluída a maturação das sementes, a flor de lótus entrará em processo de senescência. Este processo significa introspecção e silenciamento para o mundo externo.

A relação com os eventos do mundo externo começa a se desfazer espontaneamente e, ao longo de determinado período, com duração variável, a alma se dedicará principalmente à sua vida íntima com a Pessoa de Deus e/ou Seus associados (em ras-lila).

Durante este período, sua obra já terá condições de continuar produzindo a semeadura do que resultou de uma vida tão profundamente espiritual. Então, enquanto a pessoa se resguarda, renunciando aos últimos elos com a experiência material, as sementes de sua flor de lótus são espalhadas sem que ela precise se esforçar para tanto.

 

Últimas Palavras: o Samadhi Eterno

Em momento oportuno, esta alma, perfeitamente pura e consciente de Deus, irá abandonar seu corpo material, entrando em samadhi eterno.

Samadhi é o estado de bem-aventurança que a experiência eterna nos permite conhecer, desde fases primordiais deste processo de desenvolvimento da flor de lótus.

Podem-se viver lapsos deste estado de espírito, mas, ele será experimentado com mais clareza e continuidade nas etapas de maior amadurecimento da alma.

Durante o último estágio da flor de lótus, ele predomina, e na morte do corpo físico, ele impera.

Muitos podem achar que tudo o que está aqui sendo comentado é complexo demais para se alcançar em uma única vida. Resta entender que muitos dos que agora leem este conteúdo já tiveram outras vidas, às vezes inúmeras vidas antes da atual.

Não se trata, portanto, de alcançar uma meta em uma única vida, mas, do momento em que sua alma começa a desejar viver a experiência que aqui se descreve.

Ademais, lembro, a quem agora pensa comigo tal conteúdo, obtido do livro Bhakti-Rasa e o Caminho da Flor de Lótus, que quase tudo o que é complexo no seu começo, pode parecer difícil de ser conquistado, mas, não impossível, desde que haja o esforço necessário.