Quem é Shiva?
|Shiva é uma dádiva que se fornece por Ele mesmo para o ser humano de cada uma das épocas ter consciência de si e de Deus. Ele se faz compreender a partir de diferentes ângulos de visão, porém, dentre tais ângulos, apenas os que se referem à mais plena compreensão dEle serão aqui considerados.
A plenitude da compreensão de Shiva está na absoluta consciência, a qual só pode ser alcançada através do amor puro e da perfeita devoção. Então, como é apresentado em Shiva Tantra para a Libertação Espiritual (2017):
“Assim como em Ardhanareshwar, a condição andrógina de Shiva (em Shakti) e/ou de Shakti (em Shiva), há União Mística perfeita, a alma individual atinge sua bem-aventurança ao encontrar dentro de si o que a leva a realizar aquela mesma condição em Bhagavan, independente da identidade que Ele tenha para quem o busca. Ao realizar a União Mística dos dois princípios opostos e complementares originais, então, a pessoa humana realizará o equilíbrio entre ambos os princípios dentro de si”.
Bhagavan é a Pessoa de Deus, é Shiva, Shankara, Mahadeva. A União Mística é a perfeita maneira de existir, com clareza de consciência eterna e, portanto, ininterrupta. Quando a alma atinge tal estado de autocontemplação, ela conhece Shiva. Desejamos falar sobre Ele aqui, a Shakti e a alma em estado de sat-cit-ananda – felicidade eterna na vivência da suprema verdade.
Shiva Shakti Tantra[1]
Conceituo Tantra, como sendo “filosofia e prática; e um conjunto de tratados e de conhecimento, que visa a abordar o ser humano em suas múltiplas dimensões”. No caso específico de Shiva Tantra, este conjunto se baseia essencialmente na adoração à Shiva Shakti, pois, tem-se como Meta de seu(s) processo(s) a União Mística com Deus (Shiva; ou Shakti no Shakti Tantra).
Aqui é importante introduzir a compreensão do que exatamente significa União Mistica com Ele. Então, Shiva explica:
“União Mística não é mera ilusão de acreditar-se que se alcançou a fusão da forma com o que está acima da usual humana compreensão. Por União Mística que se compreenda um estado de completa conclusão ou síntese do que se entende como sendo a contraparte que busca se unificar com a Contraparte que a unifica por qualificá-la como quem Consigo conseguiu se unir. Unir-se é Comigo para sempre estar, junto de meu pensar se deixar permanecer e ao que Eu sinto permitir-se também sentir. Sendo assim, para desta forma viver, alguém tem que, com profundidade, se deixar à Minha Pessoa conhecer. Sem realizar-me enquanto tal, não há como experimentar a verdadeira forma de União que Mística na eternidade se faz”.
Para tanto, em uma dentre tantas outras estratégias tântricas, dá-se orientação ao despertar da kundalini, a qual, a partir da base da coluna, irá ascender ao chakra da coroa, causando libertação e iluminação espiritual. A kundalini é uma fagulha da própria energia feminina (Shakti) presente na experiência de vida de cada alma individual (jiva) e a libertação desta última está na realização da união dela com sua Fonte (Shaktiman) ou Shiva, a Consciência Absoluta.
Tal união entre Shiva e Shakti, em Shiva Tantra, é buscada por meio do uso de prática espiritual (sadhana) e aplicação de instrumentos tais como mantras, yantras e rituais. Mas, no caso da busca personalista por tal unidade com o Senhor, deve-se compreender que não existe propriamente uma fusão da alma com Seu Criador/Sustentador/Destruidor. O que existe é a realização dentro de si do que é essência masculina e, portanto, da fagulha de Shiva, a qual lhe faz ser existente.
Ademais, tal realização se completa quando, ainda no íntimo da pessoa humana, à fagulha de Shakti se realiza, sendo ela a porção de essência feminina que, na interação com a masculina, concede vida e movimento para o ser individual.
(…). Trata-se de uma União que não é fusão completa e eterna, porque, embora seja de fato um tipo de fusão, ela não representa a perda da identidade individual da alma, enquanto associada da Pessoa de Deus. Então, fundir-se com Deus, conforme o que aqui se descreve é, e ao mesmo tempo não é, autopercepção não-dual e/ou dual para com Ele.
Esta forma de Tantra pode ser estudada e praticada em dedicação exclusiva ou em paralelo a outras práticas religiosas e esotéricas, de modo a complementá-las e reforçá-las, bem como de suprir deficiências e aumentar as oportunidades de avanço em vida espiritual. Deve-se, porém, compreender que a União entre Shiva e Shakti é a união entre a matéria e o espírito ou a forma e a consciência, o que só é possível de realizar através da união entre a alma e sua Fonte.
Sendo assim, tal Mística União não deve ser vista como um mero símbolo de intercurso sexual, como alguns pensam que seja, embora de fato qualquer elemento da vida possa ser compreendido como canal de acesso à Divindade. Acontece que o Tantra não-dualista baseia-se na percepção impessoal do Brahman, que está em tudo. Portanto, quem o pratica pode buscar por Deus através da observação e contato com qualquer evento ou mecanismo da natureza e da vida.
Não há nada de errado em entender que a vida seja assim, mas, quando partimos de uma percepção dualista/não-dualista (Bhedabheda) e, mais particularmente, pessoal de Deus (Religião Bhagavata), vemos o Tantra como um conjunto de oportunidades para que o Todo seja tocado pela alma que busca por seu Foco de Origem, que é também a sua Meta Última.
Segundo tal compreensão, o Supremo Brahman é a refulgência de Bhagavan (Pessoa Absoluta), a qual ilumina o mundo e esclarece a consciência, devendo ser compreendido e realizado, para que haja sublimação do ato de ser e superação da ignorância (Avidya).
Rudraksha
Alguns elementos são necessários para se travar contato com Shiva, dentre os quais as rudrakshas. Seu nome vem de Rudra, um dos nomes de Shiva e aksha, que significa lágrimas, pois na eternidade de tais contas sagradas, é desta maneira que elas aparecem – das lágrimas de Shiva.
Mahadeva se ornamenta com elas, oferecendo-as aos Seus devotos. Sendo assim, usar rudrakshas nos aproxima mais dEle. Elas podem ser usadas na forma de colares, pulseiras, braceletes e japa malas. Em todos os casos, contém em si a energia divina de Shankara.
Biologicamente, elas são sementes de uma planta, chamada Elaeocarpus ganitrus. Trata-se de uma planta arbórea, com distribuição original na região dos Himalaias e outras regiões, principalmente em Índia, Nepal e Indonésia. Na Índia, ela é cultivada com frequência em jardins, nos templos e em muitos outros lugares.
Além de predisporem mais o devotos à meditação, elas têm outras propriedades, inclusive medicinais. São mencionados efeitos sobre o sistema nervoso, a mente, o sangue, a pele e a imunidade. Desde um ponto de vista transcendental, rudrakshas têm poder de dar a associação de Shiva aos puros de coração. Além do que, quem as usa com constância haverá de adquirir qualidades devocionais. Ao cantar os mantras de Mahadeva usando-as, obtém-se clareza da consciência, harmonia para a vida e propensão ao aprofundamento em espiritualidade.
Deve-se cuidar, no entanto, para adquirir contas verdadeiras de rudraksha. Existem no mercado contas falsificadas, confeccionadas de plástico. Elas são mais leves do que as originais e, quando colocadas em água, boiam, ao contrário das sementes naturais, que afundam na água. É preciso haver a energia da planta para que as contas surtam os efeitos desejados. Há menções também a contas falsas de outra planta, as badrakshas, as quais não têm as mesmas propriedades das contas originais[2].
Mahamrityunjaya Mantra
ॐ त्र्यम्बकं यजामहे
सुगन्धिं पुष्टिवर्धनम्।
उर्वारुकमिव बन्धनान्
मृत्योर्मुक्षीय मामृतात् ॥
oṃ tryámbakaṃ yajāmahe sugandhíṃ puṣṭi-vardhánam
urvārukam íva bandhánān mṛtyor mukṣīya mā ‘mṛtā́t
Outro elemento importante da relação com Shiva é a entoação dos Seus mantras. O mahamrityunjaya mantra significa uma saudação ao Senhor que tem três olhos e que permeia a todas as cadeias de mundos, concedendo prosperidade. Aquele que liberta dos entrelaçamentos para com o mundo material e concede o néctar da vida eterna.
O mantra funciona como invocação dos poderes de Mahadeva, mas também como pedido da intercessão dEle. Aquele que tem três olhos vê em todas as direções e nos faz ver além do que a visão material proporciona. Então, compreendemos os eventos da vida a partir de um ângulo de visão mais abrangente do que o meramente linear.
A concessão da prosperidade que nos cabe, quando temos o coração purificado pelo amor a Shiva, compreende tudo o que precisamos para que nos relacionemos com a Pessoa dEle. Portanto, a prosperidade se caracteriza de acordo com o que cabe a cada um realizar junto de Mahadeva.
Quando temos a intenção sincera de nos libertar das amarras do mundo material, certamente transcendemos interesses e valores que aprisionam. Shankara promove ainda mais desapego, expondo-nos um tipo de existência que apenas a mente eterna pode compreender. Por meio de tal compreensão, não desejamos nada mais além do que Ele também quer de nós.
Sendo assim, o mahamrityunjaya mantra é vibração sonora que nutre a vida espiritual. Pode ser entoado diariamente e/ou em datas específicas, quando se comemoram importantes feitos de Shiva Shakti, como o Mahashivaratri, os Shivaratris mensais e outros eventos. O importante é que se entoem as palavras corretamente, para que seu poder emane da intenção e da entoação de quem as emite[3].
Mahashivaratri
Também é necessário associar-se a Mahadeva nos Mahashivaratris. Maha significa grande, maior. Shiva é Mahadeva, Shankara, a Absoluta Consciência (Deus) que se personifica, assumindo diferentes humores. Ratri é noite. Portanto, o Mahashivaratri é a “Grande Noite de Shiva”.
Ele acontece anualmente no 14º dia da fase escura do ciclo lunar (no Krishna Paksha), ou seja, um dia antes da lua nova. No entanto, o festival se dá mais especificamente no mês de Magha, para os que seguem o calendário Amavasya – que considera a lua nova como início do ciclo lunar. Mas, para os que seguem o calendário Purnimanta – que consideram que o ciclo lunar começa na lua cheia -, o festival se dá no mês de Phalguna.
Na verdade, todo 14º dia da fase escura do ciclo lunar mensal marca a ocorrência de um Masik Shivaratri. Só que, no mês de Magha e/ou no mês de Phalguna (dependendo do calendário que se siga), ocorre o Mahashivaratri.
Trata-se de um momento em que se deve meditar em Shiva ao longo de um período situado entre o início e o fim de tal 14º dia (o Chaturdashi). O horário exato do início e do fim é calculado, como no panchang. Dentro do período, usualmente, os templos fazem quatro processos completos de adoração a Shiva (nas faixas de horário de Prahar Puja).
É importante jejuar por completo entre o início e o fim do Chaturdashi Tithi, meditando em Shiva, servindo no Templo e lendo ou escutando as lilas (passatempos) ou ensinamentos dEle.
Busca-se pelas bençãos de Mahadeva, preferencialmente por liberdade espiritual dos emaranhados das teias cármicas e/ou por avanço em consciência transcendental. Deve-se desejar intensamente pelo conhecimento que nos aproxima mais dEle e pela pureza da intenção de servi-Lo e agradá-Lo através do amor.
O Mahashivaratri celebra também o casamento de Shiva Parvati e, portanto, à unidade perfeita entre forma e consciência, matéria e espírito. Afinal:
“Shankara de cabelos avermelhados como o fogo e Parvati de pele de cor acastanhada escura se adoram mutuamente. A adoração é intensa e a relação é extática, fazendo com que o mundo tanto desapareça por completo quanto esteja ele todo ali presente como parte de tal completa unidade. Shiva é a alma, enquanto Parvati é o corpo. Ele é a consciência, enquanto Ela é a forma que a mesma consciência desenha para si. Shiva é a luz e Parvati é a escuridão que a claridade da luz ilumina. Ele é o pensamento e Ela é a atitude que resulta do pensar. Eles se complementam e Sua complementaridade se faz evidenciar nos Seus primeiros momentos de intimidade após Seu casamento” [4].
É importante buscar pela consciência de tal unidade tântrica e ao mesmo tempo de reciprocidade entre pessoas que se amam com perfeição. Assim é a relação que se deseja cultivar com a Pessoa de Deus (com Shiva). O Mahashivaratri abre espaço para que possamos sintonizar com as qualidades de Shankara e com Seu jeito de nos acomodar em um lugar único que nos pertence em Seu coração.
Para concluir
Shiva nos liberta da ilusão do mundo material, preenchendo-nos da benção de conhece-Lo. Em um diálogo que travamos, pedi a Ele: “Ensina-me a completamente liberada para sempre estar, sem que haja interferências que possam à minha consciência perturbar”.
Ele respondeu: “Mesmo os que estejam já distantes de todas as necessidades que ainda fazem com que muitos permaneçam associados ao que promove o mundo das materiais ações às vezes se veem de influências que lhes são externas cercados.
Estes merecem entender que nada podem pelos demais fazer e, então, pacificamente viver seus dias. Quando aos dias se dão diferentes significados, a vida flui com mais perfeição, se tais significados pertencem ao mundo transcendental.
Sendo assim, preencha a si mesma de vontade de apenas Comigo estar e nada Lhe faltará. Sem ter com o que se preocupar, enfim, apenas verá as situações do mundo passarem, assim como quando o viajante olha pela janela do trem onde viaja e vê a paisagem ao lado a correr.
Faz-se o mesmo quando se está pela verdade da alma liberado, pois, esta verdade existe para sempre na eterna identidade que a alma tem para com Seu Deus; e a mesma identidade é o trem que corre em veloz movimento, conduzindo a pessoa livre através de múltiplas ocasiões[5]”.
[1] Artigo obtido do livro Shiva Tantra para a Libertação Espiritual, de Shri Krishna Madhurya, Editora Sétimo Raio – RJ, 2017.
[2] Para adquirir sua rudraksha mala original, clique aqui.
https://setimoraio.com.br/produto/rudraksha-mala-original/
[3] Para aprender, segue o link.
[4] Trecho do livro Bhakti-Rasa e o Caminho da Flor de Lótus, de Shri Krishna Madhurya (2016).
[5] Para ler mais, clique aqui.
https://jardinsdekrishna.com/2020/02/21/dialogos-com-shiva-sobre-liberdade-espiritual/